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terça-feira, 30 de julho de 2013

Ontem





Eu deixei meu ontem
Enterrado na gaveta dum móvel
No sótão
Ficou nas sílabas tônicas
Dos versos de um soneto
Irregular

Mesmo que alguém
Abra a gaveta hoje
O cheiro de mofo do poema
Que fiz ontem
É evidente

E vai soletrar nas narinas
Cheiro de ácaros
Versos arcaicos
Mas o esqueleto do soneto
Vai sobreviver
Com seus ossos em aramaico
Gravados num mosaico
Foi muito ferido
Mas não quer morrer.



               Luiz Alfredo - poeta

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Qualquer Unzinho



Eu não era um beija-flor
Qualquer
Para sair por aí
Beijando qualquer flor
Uma papoula desvalida
Uma rosa pendida
Uma bem-me-quer despetalada
Sem amor
Espetada numa mandinga
Qualquer


Decerto era um chupa-mel
Voando sem destino
Neste vasto céu
Sugando estas nuvens de algodão
Em canudinho de papel
Comendo as carregadas de chuva
Como pedaços de pastel

Um colibri por aí
Sem destino e jardim
Sugando uma flor de alcaçuz
Perfumado de jasmim
Enamorado por uma papoula
Apaixonado por uma rosa
De pétalas de cetim
Aprendendo neste céu furta-cor
Que plantas carnívoras
Não comem borboletas
Nem dão flor

Sei que sou um cuitelo
Meu bico é como um cravo
Sem martelo
Tenho que ser bem sutil
Frutificar a flor de marmelo
E traçar minha rota
Neste quase infinito céu
De anil
Seguir meu mapa floral
Sem errar o ascendente

Tem flores que não gostam
De mim
Outras que são dependentes
Umas são frias
Outras de uma paixão ardente
Umas gostam das abelhas
Outras de joaninhas
Outras das tempestades
De mim gostam as papoulas vermelhas
As estrelas de anis 
As flores alucinógenas
E aquela que a noite suas pétalas
Viram umas centelhas
E voam entre os vaga-lumes

Aquela que fica barriguda
E pari gomos de uma fruta suculenta
Tem plantinhas que não precisam
De mim
Como os cogumelinhos dos estrumes
Que dizem serem filhos do arco-íris
E suas almas são coloridas.


                      Luiz Alfredo - poeta






quinta-feira, 25 de julho de 2013

Linhas do Tempo


Agora não preciso escrever
Tantos poemas
Eles estão nas rugas do meu rosto
Envelhecido pelo tempo

São estas linhas que vão desenhando
Delineando minha existência
A queda dos meus cabelos
São os meus diálogos com a morte

Minhas pálpebras decaídas
São as folhas da minha existência
Que vão se soltando e voando
Ao vento
São as minhas tempestades
Que vou colecionando com as idades
Na minha vida

Elas descrevem muito bem
Minhas metafísicas
Minhas parábolas
Minhas metáforas
As pétalas roxas abatidas pálidas
Quase exangues
Das minhas violetas
Das minhas margaridas

As lágrimas são difíceis de encontrar
São como as águas em Marte
Mas o solo arenoso árido pedregoso
É evidente
Deixou suas crateras pelos impactos
Dos meteoros
Fez do meu coração
Um vale deserto desolado cálido
De pura solidão

Os versos angustiados alguns
O que deixei escapar
Aquela estrofe que foi longe demais
Mandei enterrar
E nem fiz a epígrafe que gravarei
Na testa da morte
Nem a epístola de despedida
Da lua.

          
                Luiz Alfredo - poeta





terça-feira, 23 de julho de 2013

Morte do poeta da Sanfona





Teclas mudas
Baixos silenciosos
Foles sem pleuras
Versos sem coração

Deixou a zabumba calada
O triangulo sem canção

Sua alma levou um pedaço do xote
Do xaxado
Do baião

Deixou uma sanfona atônita
Triste lacônica
Quem vai ressuscitar a harmônica
O arrasta pé
No pé de serra
Do meu sertão

Poeta que escrevia versos
Com o acordeão
A asa branca e o carão estão tristes
A chuva que cai em gota iluminadas
Pelo luar
São lágrimas de saudade.


                     Luiz Alfredo - poeta

ZOUTROS POEMAS NOUTROS


Z O U T R O S


                           P O E M A S

               
              N O U T R O S





              L U I Z     A L F R E D O








O presente livro não possui índice, pois muitos poemas não possuem títulos. Não podendo ser indicado as suas paginações.
Por ser um livro de poemas extemporâneos pode-se abrir em qualquer página, que você vai encontrar um poema para você.  Leia-o e decida o que fazer com ele.
Pode-se ler apenas um verso, uma estrofe ou não ler nada; alguns poemas podem até serem lidos de baixo para cima, alguns até da direita para esquerda. Pode-se ler apenas um, mas o desejo do poeta é que leiam todos. O livro todo.
Ele foi feito para leitores como você. Dedicado pra você leitor de poemas, aos poetas, filósofos e artistas. A todos os seres humanos. Afinal, a Poesia é livre.











Lembra quando tomávamos tacacá
com murupi e guaraná marau
               depois ficávamos vendo o balé
dos botos tucuxis
                lendo os poemas do Oswaldo e
do Binho
os sonetos  do Vespasiano Ramos
                 e do Marcelino Bolívar
os quase haicais da Eunice Bueno
depois mergulhávamos no madeira
                  em tempo de se afogar
depois íamos de canoa comendo araçá
vendo a tartaruga do Zenão
                   que nunca saia do lugar
depois pegávamos a Maria Fumaça
e iamos pra Guajará
ler outros poemas por lá.














P E N S O
que penso
só penso.
























P E N S O
Que existo
Logo, só penso...



















Não tenho jardim
Não tenho terra
Sou um sem-terra
Aqui nesta folha em branco
Que planto meus lírios
Meus delírios minhas orquídeas
Minhas cantigas
Meu canto represado
Como o rio da minha aldeia
Meus poemas minha revolução.













Terra
  Ter
     Arara
 Ara
    Arar
Rara
     Orar
 Raro
     Ar
Erra
   Ter
Te
  Terra
A
 Amo
  Amor.







Tic-tac
Canção monótona do relógio na parede
O cuco escondido lá dentro
Esperando a hora certa de cantar
Ao meio dia
A meia noite
Canta cuco
Todo santo dia
Todavia
Nunca mais cantou
Ficou eternamente escondido
Lá dentro.











Relógio
marca horas
tic-tac
marca minutos
tic-tac
marca segundos
tic-tac
meio-dia
tic-tac
cuco canta
meia-noite
tic-tac
cuco canta
...
corda
tic-tac
pilha
tic-tac
bateria
tic-tac
uma hora
tic-tac
...
tic-tac
supermercado
tic-tac
escola
tic-tac
trabalho
tic-tac
encontros
tic-tac
igreja [s]
tic-tac
motel
tic-tac
café
tic-tac
merenda
tic-tac
almoço
tic-tac
Novelas
tic-tac
...
eternidade…
...
Poema concreto
pixado no muro de Berlim
grafitado do outro lado
poema neo-concreto
riscado na coluna de concreto
tijolos com versos
perversos in[verso]s
fluxo devir negatio
na luz do luar
poema do gullaribamaranhão
não poema não
versos de arribação
miado do gato na imensidão
altas noite corujas garatujas
poesias no lixo luxo sem lux
ruas apagadas becos esgotos
calçadas sujas
rebocos desgastados de versos
concretos pervertido barroco
beba coca & cola caco loko
tome pepsi & cola
pregue o prego da yoko
guerra do capital fatal roto
na capital ocidental
verso incidental estridente
inspiração transcendental
no céu estrelas conversam
com poetas parnasianos
haikai kai kosmo kometa
poema processo processado
xerocopiados reprimidos haikus
comprimidos proibidos
poemas da práxis mimeografados
poema sujo datilografado
dita versos ditadura
versos sociais
guerrilhas em versos
na mata moita cais
concreto muro oriental derrubado
poemas da peristroika
poemas pós-modernos
subterrâneos toca tunéis
fim da história
vitoria do kapital
concreta realidade
poema do pão desigual
beba coca cola
poema denuncia denúncia
poemas para todos
trigo para toda gente
terra para gente toda
água limpa para a vida
vida para a ararinha azul
para o azul dos oceanos
para a terra azul.





















Névoas

Ando pelas praias brancas do Ceará
lembro-me do meu amor
uma flor que o tempo levou
poemas que agora as ondas apagam
fiz pra ela com o fogo do seu umbigo
com seus beijos nos meus ouvidos
afogado nos seus seios intumescidos
nos seus mamilos mordidos
completamente perdido enlouquecido
de um  amor enternecido
enrolado nas colchas por entre suas coxas
ente entre seu ventre acolhedor
morria na madrugada fria
renascia na aurora ensolarada - e ia
fazendo-lhe tantas poesias – minha flor
que nem sequer lia
mas a paixão vale mais que uma canção
uma musa mais que uma poesia

Mas o tempo foi mudando com as estações
seu coração se transformou
sua boca não mais me beija
não me ferem com teu batom de cereja
não sussurra não murmura  não arqueja
seus olhos não me procuram
nem por mim pestanejam
não estou mas em seus pensamentos
em seus encantamentos noturnos
sou um sonho que acabou
uma canção que deve ser apagada
levada pelas ondas do mar afogada
um poema tragado pelo oceano

Também a musa que amei mudou
está mais linda que a outra
que nunca mais encontrei
procurei na cidade que cresceu
nas avenidas enlouquecidas engarrafadas
antigos restaurantes que almoçávamos
bares que jantávamos a luz dos pirilampos
onde tomávamos vinhos verdes lusitanos
com estrelas cadentes a velas do Mucuripe
sinais fechados automóveis loucos insanos
a criança perdeu o velocípede no tempo
um velho homem estaciona seu jipe decadente
ando no meu fusca de envenenado motor e amor
a tua procura como um condor nas alturas
shopping center iluminados de refletores
                                                 incandescentes
vitrines de olhares sem vida modelos mortas
estação que traz na janela do vagão
                                 uma lembrança de você
nunca mais te encontrei
agora as ondas apagam meus poemas de amor
que fiz pra ti quando me apaixonei
deixando no lugar conchas partidas sem pérolas
estrelas afogadas no mar em noites parnasianas
                                                     insanas profanas
hipocampos sem mares para cavalgar
apenas meu ser a navegar pelas brancas praias
                                                                       do Ceará.






















Encostaste tua cabeça no meu peito
como um violoncelo balbuciaste
um acorde selvagem
tecido com o teu coração de fogo
e com teus seios de via láctea.












Que passarinho estranho
veio fazer ninho no meu cinzeiro
parece que gostou da minha escrivaninha
a negra máquina de escrever
ambarino candeeiro
desgastado tinteiro
romances antigos
o livro de poema do Lorca
parece que nada o incomodava
a cigarreira de havana
o vaso com a rosa pálida
o aquário com o peixinho beta
quanto a mim nem ligava
parecia que não estava ali
nem a fumaça e o aroma das ervas
nem os poemas datilografados
tive que arranjar outro cinzeiro
nem meu gato salpicado
de tintas  negras o assustou
parecia determinado ter seus filhotes
nas cinzas dos meus cigarros
nos meus sentimentos apagados.






                                                            Vou-me embora pra Pasárgada
                                                              ...
                                                             Aqui eu não sou feliz
                                                                           Manoel Bandeira
                                                          

Quando for embora pra Pasárgada
levarei o livro de poemas do Manuel Bandeira
e Cristal da Memória do Francisco Carvalho
guardarei nas conchas da minha mão
uma porção do teu oceano esverdeado
embrulharei um pedaçinho da tua aurora
               adocicada de pássaros azuis
para quando sentir saudades
                          abrir lá em Pasárgada
ou em Porto Velho
e comê-la um bocadinho.










Coloquei meu violoncelo na varanda
ele ficou deitado
ao lado da rede bordada
olhando para as estrelas cintilantes
tecendo acordes com as galáxias distantes
escutando silencioso o canto da noite
na luz bruxuleante do luar
afinando suas cordas
nos polens das asas musicais da mariposa
esvoaçante de outros mundos
advindas de outras eras
que bailava na luz ambarina da lamparina
e no zumbido esvoaçante dançante
do negro besouro
que mora no meu jardim.




Aquele violão cello
tecido  de antiguos cielos
                                   estrellados
moon in the sky
pegou fogo
as notas se espalharam
pela minha aldeia
alastrando acordes pelo rio
                                    e seus
                                           afluentes
molhando de faíscas incandescentes
âncoras e nereidas tatuadas
confundindo os elípticos caracóis
e as rotas dos girassóis
        albatrozes no horizonte azul dos atóis
incendiando os corações embriagados
ardentes com vinhos lusitanos
                                    e aguardentes
dos poetas sois e aldeões vos
ainda bem
que não queimou os trigais
                           nem o milharal
nem assustou a primavera das andorinhas
nem o corvo que decifra os enigmas dos homens
                                               e dos espantalhos
nem o sol nem o luar do meu sertão
deixando meu povo farto de pão
não queimou as pétalas das flores nem as vindimas
nem os divinos roseirais nem os pastos e olivais
nem o canto dos rouxinóis e uirapurus
enchendo as botijas de vinhos e azeites mornos
                                                     adoçando
                                          nossos sonhos de mel
                                       leite emanado das tetas e
                             do verde capim
não extinguiu o sabiá a ararinha azul nem o japim
saciando de pamonha e canjica nossas festas de acordeom
ao som de ópera e estrelas cadentes
                                                       no céu de papel crepom.



















Engraçado aquela colher de pau
deixou meu doce amargo
e fica em silêncio
pendurada
em cima do fogão
calada
na maior cara de pau.


                                                               



                                          




Aquela menina era meio paranóica
vivia passeando num hipocampo
colhendo papoulas alucinadas nos campos
olhando o mundo com olhos de uma águia
e espantando espantalhos com corvos poéticos

vivia voando pelas galáxias
no tempo que ainda eram estrelas distantes
conversava com lagartos e textos filosóficos
escrevia poemas nos oceanos distantes
depois apagava-os com areias incontáveis

dialogava com a natureza
como se fosse um deus de inúmeros astros
recitava salmos para os homens tristes
depois ia embora para outros mares
no seu cavalo marinho alado




a mãe não compreendia esta menina
que andava nua nas noites poéticas de luar
que tinha olhar de uma deusa helênica
comia frutas selvagens e flores astrais
bebia das fontes e cachoeiras de pedras
em folhas tecidas como conchas
e na palma da mão
não compreendia esta menina não.



















Eu tinha tudo para ser um curumim normal
mas dentro de casa tinha um livro: Alice
no país das maravilhas
e lá fora aquelas loucas papoulas vermelhas
aquela mangueira antiga cheia de manguitas
                                                    doces
repletas de músicas e abelhas
onde toda aurora vinha cantar aquele pássaro
                                                     vermelho
o rio madeira amarelo de crepúsculo vermelho
o sol vermelho amarelo morria todo dia
no outro lado na floresta cheia de verdes
 luar ambarino o ciclo da vida
a margarida despetalada e os pesadelos
                                                              do amor
as galáxias ainda eram estrelas e pirilampos
estrelas cadentes eram vaga lumes afogados no mar
as corujas foram minhas primeiras mestres em filosofia
pensava que os morcegos eram pássaros
e que ela seria meu primeiro amor

Tudo ia como vão as águas do rio
o cio das borboletas panamenhas
o rocio das brenhas
o murmúrios dos igarapés
os batráquios e seus haikais nos aguapés
nos calmos jardins das vitórias-régias
mas aquele poeta tocava violão
e me emprestou seu uivo e seus acordes
aquela tarde li o lobo da estepe
repleto de solidão e tragando alcatrão
balbuciei um poema de Drummond
recitei aquele verso do Gullar
o mar azul o mar azul o mar azul
escutei no barbadian aquele blues do Chet Backer
tomei um gole de absinto e uma estrofe .....
senti uma náusea lendo Sartre
cortei meus pulsos com a foice vermelha
nos suicidas poemas de Maiakovski
morri com Atilla Jozsef na madeira-mamoré
a peste de Camus matou meus sentimentos

não aprendi rezar o terço com Espinosa
não aprendi comungar com Nietzsche
aprendi sobre o ser com Lukács
mas aí tudo estava perdido
aqueles versos de Espanca
mexeram com meu coração
aquele poema do Pessoa
me deixou um nada na tabacaria
eu tinha tudo pra ser um menino feliz
mas Soren Kierkegaard acabou meu noivado
a tartaruga do Zenão caminha no espaço infinito
inerte sem se movimentar
e eu me mudei de lugar
aprendi um poema do Francisco Carvalho
a fazer café com orvalho
e jogar xadrez de madrugada com meus fantasmas
a passear nos campos semeados de pássaros
com meus espantalhos de braços abertos
escrever poemas com meu gato vagabundo
olhar para aquele violão cello abandonado
meditar com Yukteswar giri
ler os salmos na lamparina âmbar
datilografar uma poesia na Royal empoeirada
de recordação e luares
escutar aquela canção de Peter Gast
dedilhar uma bossa no violão

eu era  pra ser um menino feliz
mas vida foi replantando meus girassóis



afogando minhas margaridas
e me jogando na vida sem compaixão
repleta de poemas e paixão
um net book e um violão.



Olho este rio barrento
que corre para o oceano azul
levando meus olhos tristes
e os encantos das cordilheiras
                                     andinas
minha saudade de curumim
guajará mirim cachuela de esperanza
que deixei nos braços daquela menina
que tanto amei e fiz tantos poemas
pura paixão doce lembrança
por aquele luar imenso ambarento
ramal são domingos rua do coqueiro
rio madeira amarelado barrento
seu por do sol  místico meditativo
o outro lado encantado
          sereias enamoradas
imensos navios de outros mundos
cantos beiradeiros ribeirinhos
boleros pandeiros mambos
porto velho são carlos calama humaitá
onze horas nova olinda
canoas canção solidão banzeiros
madeira marmelo maici miriti
tantos poemas belos
tantas canoas remos proas
tantas canções em manoa
tantos amores paixões desilusões
mansos remansos batelões deslizam
mirante cai n’ água
por do sol caleidoscópio
santo antônio vapores ópio
maria fumaça passam juanas
botos rosa dançam
botos tucuxis encantam
botos curumins cantam
olhar de botas para sempre
no meu coração distante.           













Aquela tarde ensolarada de andorinhas
cantos de sabiás aromas de hortelãs
lembranças da Maria Fumaça
que passa do outro lado do rio madeira
o melancólico beni
correndo levando seu passado de látex
estanho castanha balata
pequenino trenzinho negro
no meio da mata
que transpõe a cachoeira revolta
todo santo dia em volta
embarcação baldeação de volta
levando ao reino de Liverpool
as necessidades do império
borracha minério paixão

pequeno trem que me leva
para longe do meu amor
flor que ficou no lago do cuniã
cunhã de olhar uiara
que me encantou com seu muiraquitã
afã de bota selvagem

fujo do seu amor no trem pra guajará-mirim
madeira-mamoré quem te ama quem te quer
mal me quer despetalado no vagão
em cachuela de la esperanza
tento perder a lembrança em vão
tento fugir no trenzinho
que vai para o outro lado do mundo

jogo com o amor de Dostoievski
leio um poema de Maiakovski
corto meus pulso com sua foice revolucionária
tomo um cálice de vodka
para não morrer de tédio
bota emerge nas minha mágoas e lágrimas
escuto o apito da locomotiva
leitmotiv motivo grito canto espanto
a semente foi plantada em outro lugar
a maria fumaça vai morrer
o trenzinho de la cachuela de esperanza vai parar
e eu não posso mais fugir
começo a chorar de saudades de porto velho
escuto uma ópera de Georges Thill
navego para Riberalta
reflito na ontologia de Gyorg Lukács
leio o cacau de Jorge Amado
estão levando nossa siringa cacau sova
guaraná bactérias átomos
estão matando nossos músculos
calando nossos poetas
leio um poema de Hector Borda:
te lleva de la mano um salário agotado
a bordo de um batelão
meu triste coração sabe sobre o ser
sabe dos labirintos da paixão
o soneto amor de vespasiano ramos
que veio morrer poeticamente em p.v
o poema  amor de Álvares de Azevedo
é um belo doce  para morrer
a poesia amar de flor bela alma da conceição
é uma canção para se perder de amor
conhece os trilhos da madeira-mamoré
sentir o peso do mundo nos ombros
sabe que os seguidores de spinoza
são agressivos e não conhecem o Deus
que é a natureza em si
são como os fariseus
que não conhecem o coração interior
e mataram Jesus
o pregaram na cruz
e pregam agora o que não disse
como verdade absoluta
e vão soterrando a Amazônia
e continuam levando para Liverpool
outra sementes reluzentes
pagando salários de morte
deixaram seus trens abandonados
pontes que não ligam coisa alguma
que não levam a nenhum lugar
nossos corações apaixonados
e cada dormente é um operário morto
soterrados para sempre
sem nenhuma compaixão
afinal no reino da necessidade
não existe coração e amor
tudo é uma mercadoria
uma paixão fugaz assaz
gás fosforescente no cais
uma locomotiva uma ponte de aço
que tem uma mais valia e um valor.











Fui para quitanda
compra umas jujubas açucaradas
soy loco pela de anis
e biscoitos marias

mas no meio do caminho
tinha uma banca de jornal
acabei comprando um pocket book
com alguns poemas do Mario
                                         Quintana

os poemas eram amargos
mas pronunciados tão docemente
que fiquei enjoado

ainda quis ler um gibi
mas desisti
li um poema do Drummond
outro do Gullar
um poema nauseado
outro estragado
li uns versos distorcidos
do Francisco Carvalho
um poema romântico
do Joaquim de Sousa
que se afogou na baia
com seu último poema no bolso
que vida poética
último poema molhado pelo mar
escutei uma canção mental de Peter Gast
aquele solo de ravi shankar
reli o primeiro capitulo de vidas secas
ainda sonho com preás
sinto saudades da baleia
que vivia no mar seco do sertão
reli o primeiro capitulo de Zaratustra
ainda vivo sem Jesus e Buda
mesmo assim aquele versículo
me consolou da solidão existencial
estudei um pouco a variante Ruy Lopes
perdi a torre no fim
minha rainha quis matar Ana Bolena
correu atrás da Alice e do coelho
minha tia morreu
minha mãe morreu
mas o poema de Manuel Bandeira
ainda esta em mim
estudei um pouco de violão
e brinquei ainda enjoado com meu gato
nauseado com Sartre
Camus Soren Kierkegaard
enjoado de tanto mar
de tanto Camões Bulhões
tantos Fernando Pessoas
tomei um café requentado
com uma broa de milho
temperada com ervas doces
e corvos de van gogh
os poemas de Álvares de Azevedo
e Bayro me embriagaram de absinto
e vinho de loucas vindimas em tonéis
fermentados de mitologia
distorceram e embaçaram de fumaça
meu pobre e medíocre poeta endividado
alucinado de cigarros de flores de ervas
charutos cachimbos baseados Baudelaire
aquele versos de Musset
aqueles sonetos de Vespasiano
aquele dialogo de teeteto
aquela opera ça ira
pior é que eu não esquecia das jujubas
e da bolacha Maria
quem mandou parar numa banca de jornal
e não ter sentimentos nem alma
somente vísceras revoltadas.
                                                
                                             










   

                                                           

                        





Tudo que encontrei foi uma velha geladeira
                                                                desligada
com cerejas estragadas
um pote de geléia de mirtillo vazio
e a antiga mesa de madeira sem o vaso da flor
a estante estava sem os livros do Nietzsche e das receitas
o espelho estava empoeirado
            ainda repleto do teu lindo rosto maquiado
olhando o vão perdido do quarto abandonado e
                                                            solitário
com rasgos de sol entrando pelas frestas
                              da cortina rasgada e desgastada
pelos sonhos e auroras
ainda deixavam entrar
                          a canção do pássaro que restou
e algumas lembranças de outrora
que ficou no jardim de rosas encarnadas e flores selvagens
agora repleto de musgos e cogumelos estranhos
ainda a água da fonte murmurava saudades e recordações
um pincel sombreado de cílios me olhava
e recitava teus poemas
o batom abandonado sentia saudades dos teus doces
                                                     lábios de estrelas
tudo mais tinha ido embora com você
ficando só o vão e aquele sentimento de solidão
ficaram ainda os acordes de tua canção na parede
o aroma do teu chá de ervas místicas
                                         e o rosnado do teu gato alice
rondavam por ali
mas você tinha ido embora
levaste teus romances e teu violão cello
teu livro de poesia do Lorca
teu arco-íris de tinta a óleo
dizem que fostes para uma terra distante
onde nem as lendas nem o teu passado podem te
                                                                      encontrar
viajastes na teia e jangada dos teus  cabelos negros
que não deixam pegadas nem vestígios pelo caminho.


  

Ela escreveu num cartão cor de fogo
que era de puro coração
junto veio um romance do Balzac e
uma coruja metafísica de olhares
                                         macambúzios
com gritos em metonímias
e um poema do Francisco Carvalho
atávico telúrico agrícola surrealista
presente sem data 
sem batom
repletos de metáfora e
                             crimes florestais
que perturbaram minha vida
meu gato riscado arisco malhado
pelas minhas noites poéticas
                                    silentes e insones

o romance guardei na estante
o poema na minha memória embriagada
de desesperança e ópio
a coruja depois que leu meus livros de filosofia
recordou suas reminiscências essências transcendências
criou asas
                        e voou numa madrugada enluarada
e nunca mais retornou
mas o camaleão que chegou esverdeado
meio azul com olhares solapados esgazeados
todo dia muda de cor
esconde-se nos labirintos do meu tugúrio
e reaparece na aurora transtornado transformado
                                      completamente mudado
nunca quis ir embora
fica sempre do meu lado
parece gostar dos meus poemas
das minhas orquídeas e do meu gato
nunca reclamou do meu violoncelo
nem do tabuleiro de xadrez
nem do aroma do meu cachimbo
nem da cannabis sativa
nem do som da máquina de escrever
nem do som do Pink Floyd
nem dos livros do Spinoza
sempre quando dialogo com Platão e Teeteto
ele também pergunta e responde
sempre lhe chamei por vários heterônimos
porque sempre esta mudando de cor e lugar
diferente da minha tartaruga Zenão de Eléia
sempre no mesmo lugar
comendo sempre a mesma folha de alface
gosta da minha geléia e da minha salada
dorme perto dos meus sonhos
e o pior sempre quando olho pra ele
lembro-me da coruja de minerva
                                            e dos olhos dela
cama leoa que devorou meu coração
como uma leoa
e foi embora
              deixando-me à-toa
com um romance de Balzac
           um poema do Francisco Carvalho
e um camaleão
que a todo o momento mexe com meus
                                                  sentimentos
mudando de cor
e paleta a íris dos meus olhos
como cogumelos psicodélicos dos pastos
como o chá da rainha e o cipó do marechal
em florestas de samaumas e apuís
serenando luzes de tantas cores
                matizes de infinitas combinações
cúpulas de catedrais góticas
vitrais de igrejas medievais
um golpe no meio da omoplata
um poema de Baudelaire
um trago no narguilé de ópio macerado
um gole de absinto flambado
essas cores do meu camaleão
                                      mimetizado
me deixam alucinado.


                                      

















Eu sempre tive você
mas no fim você sempre
me deixava só
acabava ficando com o luar
e as estrelas cadentes
que escrevem seus poemas
em oceanos profundos
ou deixam escritos seu versos
em crateras incógnitas
te amava como uma yoko
como uma layla
como uma julieta
como uma kodama
mas você nunca me quis
ficava sempre sem você
termina a noite perdido
entre as estrelas e as luzes de
                                neon
papel de cannabis e crepom
ofuscado pelo luar
embriagado de gim
apaixonado por você
andando sem destino
                 por aí
no meu fusca amarelado
arranhado pela vida
mas a vida quis assim
que eu fosse sem você
apenas um poema amargurado
uma canção atormentado de
                     amor
um braço tatuado sem nome
um violão meio desafinado
um verso rabiscado
em guardanapos muros folhas mortas
lixos desta sociedade ocidental.

















Agora eu sei
que estou sozinho
minha mulher foi morar
com o pai
meu gato morreu
a aranha enigmática se mudou
ficou apenas eu
e estes poemas marginais
                                 abandonados
com meu violoncelo no canto
calado.








Procuro teu olhar
nas galáxias
na pele das rosas
nos espelhos
e nas gavetas
nada encontro
você foi um rastro veloz
uma paixão atroz
agora uma casca partida de noz
um rastro sem marcas
não deixou sequer memórias
algumas poucas lembranças
levastes teus sonetos brancos
tuas maquiagens desgastadas
no teu rosto de encantos
lembro apenas do teu olhar
entreabertos para o universo
alguns de teus versos e cantos
algumas notas do teu violoncelo
na madrugada enluarada
a libélula tatuada no teu seio
esquerdo
estas eu não esqueci
e a tua bibliografia de enigmas.
Amei muitas mulheres
mas nenhuma me amou
fui em muitos lugares
mas nunca estive em lugar algum
li muitos poemas
apenas dois marcaram minha
                                    pobre vida
fui muito apaixonado
paixões que me estragaram o coração
muito ópio
muito tabaco
cafeínas conhaques cannabis
aguardentes morfinas anfetaminas
gim rum coca soda gitane cizano
umbigos adornados de jóias raras
noites perdidas
nevoas
garoas
tempestades
insônias
poemas
canções
estradas
desvios calafrios
alucinações
rios crepúsculos ósculos
luares
estrelas cadentes
fui um perdido entre estrelas
infinitas estrelas
mas elas nunca me abandonaram
apenas desapareciam
nas minhas noites de chuvas
mas logo voltavam a brilhar
bordeis cabarés lupanares
boites bares tavernas
tive algumas amadas
no fim da noite estava sempre solitário
mas a via láctea  me amamentou
acalentou meu coração amargurado
tive muitos mestres
mas apenas um
me disse uma palavra
que tocou meu coração ateu
estive em muitos templos
hoje não estou em nenhum
tive muitos amigos
alguns já morreram
outros nem se lembram de mim
hoje apenas minha coruja
e meu camaleão estão comigo
hoje caminho em caminho algum
sou um lobo solitário
um corvo que assusta espantalhos
tritura amarguras num galho seco
na mais escarpada altura
olhando a vida sem sentido passar
sem sentimentos amores e pátria
apenas algumas negras penas
que ainda escrevem
alguns poemas
estes poemas sem destinos
puros desatinos
deste pássaro sem ninho
que amaldiçoa o capitalismo
revoa por cima deste moralismo
que mata a vida do instinto
secando as lavouras de vinhos tintos
e soterrando os poemas das entranhas
proibindo os poetas do absinto
e das flores incandescentes
inflorescência colorida louca
que queima entre os dedos
manchados de acordes nodoas amareladas
viajando entre céus de tangerinas e marmeladas
que amaldiçoa a escola
que veda a boca dos declamadores
                                       enlouquecidos
pela existência natural(eza)
imanente do ser
e do puro exist(ir)ência
sem nenhuma transcendência.



















Morrerei de fome
mas escreverei poemas amarei estrelas
e o luar
poesia não vai colocar feijão e arroz
no meu pobre prato de cerâmica quebrado
nas pontas
dos meus talheres esfomeados
mas alimentará minha alma
com metáforas e metafísicas
enchera minha colher com o ser
meu copo de nuvens e trovoadas
meu guardanapo de sonetos e cordéis
meu poeta esfomeado sedento
se olhara no espelho romântico
morto de fome por um poema ambíguo
e amara a musa dos sonhos
beijara seus seios e seu umbigo
misteriosas rosas  puros pêssegos
lábios de flores batom carmim
seus cabelos capim selvagem
sua boca céu indico de desejos
ainda que com dores de cabeça
tomarei água da cacimba
serenos chuvas relâmpagos
pedaço de uma drágea analgésica vencida
ainda que com algumas doses telúricas
um cálice queimado de absinto
outro cálice requentado de conhaque
um trago nos lábios de maryjuana
outro no charuto de havana
uma tragada flamenca no gitanes
outro no eterno cachimbo
uma olhada nos versos do Lorca
outra no Gordon Byron
azeite extra-virgem na rúcula
um pedaço de pão adormecido
com aroma de cogumelos azuis
meia fatia de queijo endurecido
de pastos fermentados esquecidos
uma colher de aveia no leite antigo

Mas tenho que pagar a pensão
darei algumas aulas de literatura
declamarei poemas de amor nos bares
para falsos casais corações solitários
venderei alguns poemas nos asilos
pois tenho que pagar a pensão alimentícia
pois acabo na prisão solitariamente
quem vai alimentar meu corvo?
e meu pobre gato imaginário
tenho que pagar a prestação
a passagem na estação
a iluminação pública
o pedágio das sujas calçadas
o querosene do lampião
os biscoitos na taverna
as multas os coitos as taxas ...
são poucos os medíocres poemas que faço
para pagar  minha existência
nesta capital ocidental
neste sistema do capital
onde a mais valia vale tudo
e o poema vale quase nada.

                                        













                                   G A T O

                                           E S  P  I  A

                                 A  U  L

                                          H

                                          A  L  I

                                          D O

                 M  I  A   N  D  O














                   L A T A
                  
                    L I X O

                    L U X O

                    V I R A T A L

                    V I R A L A T A

                     L A T A V I R A D A

                     L A T E

                     L I X O

                     V I R A D O




                               L A T A L I X O

                                L A TA   L I X O

                                V I R A L A T A

                                V I R A   L A T A

                                L I X O   V I R A

                                V I R A  L I X O

                                    I     R              D

                                         V      O

                                     I             L        A

                                                X   

                                                          O.

                                              

                                                 



                                              
                                                mar verde mar verde mar  verde
                    verde mar verde mar verde  mar
                    mar verde mar verde mar  verde
                     verde mar verde mar verde  mar
                     mar verde mar verde mar  verde
                     negroleo mar pelicano negro mar
                                      

                                                     










A mariposa posa
Para o click do meu olhar
Minha máquina fotográfica
Ultrapassada pelo tempo
Capta com seu zoom alterado
Cores caleidoscópicas prismáticas
Sons cromáticos das suas asas
Que tremeluzem nas luzes
Nas chamas azuis amareladas
De uma lamparina que queima
Alucinando a madrugada
daquela noite fria poética
Acendida por pirilampos
Retinas reflexivas de uma coruja
Que pestaneja reflexões filosóficas
O olhar dilatado da menina encantada
E aquele luar escaldante de poesia
Enquanto a via láctea assobia canções
Em acordes de estrelas
Que salpicam polens nas asas
Da lepidóptera que paira no ar
Como um colibri beijando a flor
Para ser fotografada
Pela minha Canon tubular.
Vi a escola
ensinando uma educação
                                      cidadã
para os filhos dos operários
proletários e tecelãs
para os meninos da periferia
sem tardes cinzas e velocípedes
para a menina de programa
e volúpia fugaz


Li sua cartilha solidaria
seus ensinamentos democráticos
seus princípios constitucionais
sua pedagogia da libertação

educação para todos
direito ao voto universal
tratamento igualitário
Quando sai da escola
vi um menino tomando ópio
li o poema caleidoscópio
da poeta Isabel Lisboa
uma foto do Che Guevara
                                     morto
numa banca de jornal

Um mendigo pedido pão
realmente
enquanto abria o sinal.





















Eu e meu fantasma

No começo eu me assustei
fiquei assombrado quando o vi
sentado na minha cadeira de balanço
lendo aquele livro antigo
místico hermético cabalístico
com letras desgastadas sombreadas
por polens da mariposa encantada
tremeluzir dos pirilampos
palavras bordadas de pratas e mistérios
candelabro com velas acessa macabras
páginas amareladas pelo tempo
com óculos de lentes profundas
molhadas pelas chuvas e relâmpagos
manchadas pela vida e pelos ventos
que movem minhas velas 
minha jangada e meus cata-ventos
apagam minhas pálpebras e sobrancelhas
minha vela e meu lampião
que faísca centelhas
tingidas pelos fungos da umidade
na escuridão da minha solidão
que moram no sótão e no porão
nas minhas gavetas onde guardo
os meus medos e meus segredos
mais antigos contidos e escondidos
minhas lapiseiras e meus bardos
meu relógio de bolso meus poemas
meu picines e meu tabagismo
meu cachimbo minha lupa
meus dramas meu remorso
inspiração alucinação alienação


Ele me disse
que era um fantasma
mas que não era de outro mundo
afinal
não existe outro mundo
ele era o meu fantasma
que vaga perdido
por este mundo sem sentido
quando estou acordado
com insônias e preocupado
com a vida regida pelo Capital.




Campos de eternos trigais
milharais com cabelos dourados
                                ao sol
bailando aos ventos
orvalhados pelo luar
espigas maduras colhidas
pelas mãos da camponesa esclarecida
molhadas pelos relâmpagos
e trovoadas
a terra agora é de todos
todos podem colher o grão de fartura
fermentar e assar o pão de leveduras
a terra não tem mais escrituras
arames farpados
lotes demarcados
nomes registrados
a terra agora é dona de si
produz o que lhe der na mão
seus sulcos são estrofes
escritos pelas enxadas e coração
homens e mulheres jogam as sementes
declamando versos de cordéis e cantando 
canções que fortalece os músculos e a
                                                    consciência
suplicas de oração e poemas construtivistas
pelo trabalho ontológico e guerrilhas
                                                   endurecidas
mas com coração e almas enternecidas
a terra veio para todos e
a libertação para cada um
suor no rosto e calos na mão
a terra úmida molhada pelos rios e
chuvas na estação quase eterna
enquanto dorme o grão na terra úmida
fazem brotar as parábolas e metáforas
o reino dos céus é uma semente de mostarda
fazem as alegrias dos corvos e dos lírios
que perderam os medos dos espantalhos
que demarcavam e exploravam a produção
aprisionavam pelo trabalho explorado
as mãos as flores os frutos as farinhas
o pilão o forno o lagar
cada grão colhido macerado
o mel o estame o pólen a corola o néctar
o orvalho derramado do arco-íris
o viver em si e a nervura do olhar
o corpo e a consciência do ser.

                                                 

Brinco na luz do luar
pesco pirilampos e poema do Bilac
também converso com estrelas
e trilho solitariamente os trilhos
da Madeira-Mamoré
recito versos de abandono de Florbela
Espanca
que estanca meu coração
com seus sonetos de amor e solidão
grito poemas de Vespasiano Ramos
em Porto Velho no Maranhão
converso com as borboletas e flores
passeio com meu gato místico
e choro com meu lobo da estepe
para Venus que brilha lindamente
desabotôo minha camisa molhada de suor
e raios lunares
acendo um gitanes
e deixo a bailarina dançar seu flamenco
enluarado de violoncelo e o ressoar dos meus
                                      sapatos descalços descadaçados
despetalados sujos de lamas e asfaltos negros
repletos de saudades dela
que nem se lembra de mim
mas tenho meu doce luar
minhas poetas a balbuciar seus poemas aluarados
e pedaços de canções
pólens de asas de mariposas incendiadas
por candeeiros e tardes mortas
café requentado açucarado por abelhas e lindos
canaviais repletos de aguardentes
oceanos azuis e cavalos-marinhos
bandolins e cigarras enlouquecidas de canções
incendiadas de tardes mornas
verões que aquecem noites frias
madrugadas que acariciam teus olhos ausentes
que mata o ser de pura solidão
que não morre porque balbucia uma poesia
de Artur Benevides uma estrofe de Bulhão Pato
poemas ensopados com amêijoas
vinhos lusitanos e vagas de Camões
um trago no gitane e outro nos poemas
de Francisco Carvalho
noite de luar incandescente vai apagando
nosso corpo docente com tanta poesia
e nevoas de ervas vaporosas
que embriagam nosso ser em campos
verdejantes
fontes murmurantes de orvalhos sonoros
que respingam nos olhos 
gotas que piscam
tantas luzes e salpicam tantas cores
e o gitanes vai queimando nossos dedos
deitamos o violoncelo na lua
acomodamos nosso cachimbo na varanda
a bailarina em cima da cômoda
apagamos a lamparina
e vamos nos deitar
afinal
amanhã temos que trabalhar
pois a enxada é a ontologia do ser
que transforma nossa existência
a foice apara os grãos lavrados
com o suor e o calos das mãos
e o martelo constrói nossa consciência
revolucionária e prega nossas esperanças
cada dia.




  
Acordei na madrugada atordoado
pela luz do luar alaranjado
tinha deixado a janela aberta
a lâmpada do abajur tinha queimado
sobre a montanha mágica
o cachimbo apagado ainda recendia
os poemas do Bandeira e do Borges
e um poema do Vasco Gato ressonava
profundamente no copo vazio de leite
pratos pelo chão jogados de amêijoas
ainda com as conchas bivalves devoradas
espalhadas de poemas de Bulhão Pato
broas guardanapos legumes refogados
cálices afogados de conhaque e absinto
vinho verde e tinto lusitano quase no fim
em cima dos lusíadas comentado
o som de um violoncelo distante e
sonolento começou a tocar
era a lembrança da minha amada
que talvez voltou do exílio
longínqua terra dos seus delírios
onde agora morava e bordava seus
sonhos e suas auroras
o dia foi amanhecendo
o apito do trem passou
o mugido do leiteiro dissipou as estrelas
um pássaro extinto
começou a cantar no meu pé de tangerina-lima
tinha sido solto da gaiola ocidental
do capitalismo devastador
veio ser mais um signo
na enigmática poesia da minha vida.




















Naquele dia estava triste de não ter jeito
resolvi me suicidar
peguei os poemas de Silvia Plath
para cortar meus pulsos
carreguei meu revolver com os versos
                                   de Maiakovski
tentei me atirar como o poeta Attila Jozsef
nas rodas do trem da ferrovia de Baturité.

Os poemas da Plath me deram mais vida
os versos de Maiakovski me acalentaram
                         de vodka e revolução
e a Estrada de Ferro de Baturité estava extinta.

Tomei um malte
         numa caneca amassada esmaltada
            acendi um gitanes
olhei pro meu Fusca quebrado lá fora
o tempo lá fora sem pássaros
                          meio cinza sem sentido
teci uma maria juana
bebi uns goles de mate
dedilhei um pouco meu violoncelo
limpei meus óculos aranhados
engraxei meus sapatos desgastados
joguei fora os tomates estragados
meu gato dormia sossegado
troquei meus jeans rasgados
vesti minha jaqueta das antigas
e levei a vida adiante.



















                                            Ao Binho, Laio, Juá, Edimilson, Afremar,  Sérgio, Tatá, Prego, Chiba, Joca, Panta,  e outros manos de Calama. In memoriam: Beth Prestes.


Lembranças do Cabo Ivo e do seu Cavaquinho


Esculpia canções em código Morse
para que antigos fantasmas da Vila Calama
e viajantes das antigas eras das seringas e vitrais
bebessem o sumo das palmeiras e dos sabias
sabe La intricados sinais semióticos
soletrados em acordes musicais
emitido na escala ancestral do cavaquinho poematico
que costumava dormir dependurado na lua
escutando sonatas de estrelas cristalinas
afinando suas teclas no eco dos confins da via - láctea
bebendo pingos de leites e hexágonos de mel
que caiam de suas elípticas tetas
acompanhado uiaras no amanhecer azula do madeira
aquecendo o sol embranquecido alaranjado
ainda entorpecido de ópio epadu arabu aracu
mariposas embriagadas de luar e lamparinas
madrugadas de querosene e estrelas cadentes
com acordes telegrafados para os mitos
solos de puras lágrimas em negros barrancos
orvalhos em pétalas de endoidecidas papoulas
encarnadas de mistérios alucinações distorções
nereidas branquinhas botos rosa tucuxi
mergulhos profundos num céu salpicado de pupilas
dilatadas de sonhos  encantos remansos banzeiros
embeber nos fundos do rio madeira
enfieiras paneiros de mandis
embrenhar-se nos igapós de mágicos frutos e cipós
catimbó mambos carimbo bodo sirimbo maneiros
jambo manga samba doces boleros pandeiros
as letras vão sendo tecidas com faíscas e relâmpagos
o sol vai aquecendo suas entranhas e ponteiros
com volúpias caldeiradas e manivas recitadas
a mensagem de pura paixão atinge meu amor
o cavaquinho do cabo Ivo sola chora solo
é um pássaro que tece lindas canções solamente
que devora pupilas assombradas assustadas
é um pescador que entrança toadas cordéis cardumes
de boi bumbas arraiais perdidos em tarrafas etéreas
é um telegrafista que faz poemas em Morse no braço
do enigmático cavaquinho
no antebraço da curva do rio que recita versos azuis
nas tardes mornas azuis de Calama
depois do balé das andorinhas migradas
que agora descansam as sapatilhas
no chão do verão sonolento
quando o corpo molambo zambu bambo
se embala em redes de tucum e caiçuma
quando os cílios fecham os olhos de guaraná patuá
tacaca tucumã araçá patuá para entoar
escutar o sino da igreja para novena
os últimos presságios dos pássaros enigmáticos
a última nota do cavaquinho do cabo Ivo
que agora vai descansar pendurado no luar ou
nalguma estrela ribeirinha
o resto agora é com o une-verso... 








Os agrotóxicos fizeram os milhos crescerem
                                                               dourados
mas mataram os corvos e seus presságios
cegaram os espantalhos e seus fantasmas
mataram o sonho de borboleta das lagartas
cortaram as foices revolucionarias das formigas
o milharal ficou flórido de espigas eternas
                                                      robustas
granuladas de leite e ganâncias
mas sem os grasnares enegrecidos dos pássaros
sem o olhar hirto de braços abertos atentos
sem a revoada colorida das borboletas aos ventos
ficaram as espigas explodindo em grãos alienados
reinando solitariamente nos campos demarcados.

Vastos campos alongados ao infinito
plantações de soja e criação de gados
rio represado arames farpados
outrora terra de meu deus
agora terra demarcada
terra que jorrava leite e mel
agora somente leite ensacado pasteurizado
outrora terra dos pássaros que não plantavam
nem teciam
agora terras reviradas por trator
trabalhador que abre sulcos
mas não tem suco para matar a sede
planta a semente mas não colhe o fruto
para matar a fome dos seus filhos
prepara a terra com adubo enriquecido
mas é sem terra empobrecido
acorda na sirene programada de madrugada
não tem pássaros para gorjear no alvorecer
trabalha programado monitorado cronometrado
não tem descanso nem sonhos remunerados
apenas calos nas mãos e retinas fatigadas
produz fartas safras de grãos
mas come apenas marmitas de ração
apreende a ler não para a pedagogia da libertação
nem para ler Pablo Neruda
nem os poemas de  Maiakovski
mas para acionar o botão das máquinas de produção
controlar as alavancas e os painéis eletrônicos
protegem os olhos com lentes temperadas
não para olhar os verdes campos dourados de grãos
mas para encarar as fagulhas incandescentes das fornalhas
que vão queimando as sementes
que vão alienado músculos vísceras nervuras
em pacotes de exportação catalogados
vão enriquecendo o sistema do capital
que planta no trabalho dos homens e mulheres
campos de terras apossadas em títulos registradas
colhendo a mais valia das sementes germinadas
aguando o solo com lágrimas sangue e suor
adubando a terra revirada com dor mãos trator
com corpos e almas mortas famintas
vidas minadas dos proletários sem terra
sem posse do seu ser sem o seu viver
que planta o muito para pouco colher e sonhar
em campos sem corvos e espantalhos assombrados
repletos de girassóis que não obedecem o sol
mas a rota de produção das planilhas programadas
vigiadas por retinas eletrônicas acordadas
que vivem eternamente de olhos abertos
que nunca dormem.       









Eles vieram de longe
além mar
fizeram bóia do tracajá
tapete do couro do maracajá
suco da flor linda do maracujá
bolsa da jibóia
extinguiram a ararinha azul
a lenda dos olhos do guaraná
o lobo guará
a onça pintada
o que será?
agora o que vão levar
orquídeas folha mágicas
cipós de poder
peixinhos dos rio para o aquário
fosseis para o armário
muiraquitãs como antiquários
papagaios para a gaiola
florestas tição extinção
cantos para o alçapão
levaram o leite branco viscoso
para fazer negros pneus pegajoso
chocolate café açaí
trouxeram sua fé e pólvora
bússolas astrolábios mapas
que tiraram nossa direção
máquinas que teceram nosso algodão
moeram o doce da cana
deixando uma amarga exploração
levaram as drogas do sertão
levaram a cravo deixando o travo
levaram a oiticica deixando a cica
levaram a murupi o tucupi misturam o tupi
deixaram vírus nocivos algumas vacinas vendidas
e estão levando átomos de raros metais
bactérias fungos pedras preciosas
e deixando suas naus seus maus
nossas consciências alienadas adulteradas
nossos espíritos aprisionados.









                                        
                                      
                                       ...
                                       E vinte quatro canhões
                                       ...
                                       O Príncipe fora cenário
                                       De angústias, dor e sofrimentos.
                                           Ana Clara Cabral de Sousa
                                                                  poeta



Primeiro eles vieram em caravelas
e montaram um forte
construíram uma ferrovia
uma estação com um relógio exato
esticaram fios de telégrafos
e criaram uma cidade no porto
porto de um velho
que era uma lenda
e passou ser uma história concreta
repleta de operários mortos
pontes de aço que ligam a nenhum lugar
hinos silenciados de tantas nações além-mar
canções amordaçadas
versos afogados no rio madeira
contradição que muda a história
meteoros continuam queimando o céu
fogo fátuo rasga mortalha trem fantasma
cemitérios da candelária
poemas do Vespasiano Ramos
tocando nosso ser
mas a madeira-mamoré foi extinta
o relógio parou de andar
o forte abandonado com musgos
nos canhões
a história não
estão construindo outras pontes
acendendo outras lâmpadas
tecendo outros filamentos
criando outras mercadorias
mudando a necessidade dos nossos
sentimentos
o rio madeira está se  afogando
o barranco perturbado devorando
minha aldeia
minha vila Calama
mas um dia num novo alvorecer
a foice vai ceifar os campos demarcados
as fazendas de arames farpados
os sonhos de liberdade aprisionados
e a talvez a Maria Fumaça
volte para recordar o látex derramado
os caules sangrados pelo fordismo
os poemas de Vespasiano declamados
no jota lima e mercado central
as palmeiras a florir de sabiás
de cachos de punhas e  ingás
saciando os abandonados pelo capital
o tucumã e o beijo da linda cunhã
a nos embalar nas redes de tucum
nas manhãs de todas as segundas-feiras
Em Porto Velho meu amor.

















Poeta morto
pequena vila surpreendida
agitada comovida
morreu o poeta marginal
sem eira nem beira
nenhum livro publicado
talvez um opúsculo
algumas poesias no jornal
coluna lítero-cultural
morte refletida
sentida pelos pássaros
e estrelas distantes
poesia lida pelos declamadores
loucos poucos não doutos
versos xerocopiados
pichados em alguns muros
suburbanos insanos profanos
periferias guetos lupanares
noites de luares incandescentes
bares lugares distantes



O poeta partiu
mas sua alma agora vaga
divaga navega trafega
nos versos esquecidos
agora recitados
por boêmios embriagados de pirilampos
poetas loucos alucinados
em acordes de violões dedilhados
estrofes esquecidas relembradas
balbuciadas nas orvalhadas madrugadas
poemas re-escritos em guardanapos
papeis crepons céus de neon
goles de aguardentes ardentes
tragos de conhaques e absintos
flores dos jardins alucinados
repletos de joaninhas coloridas
e cogumelos tremeluzes reluzentes

O poeta faleceu
a cidade agora se agita
o diário da manha grita
a critica analisa seu último poema
o governo edita seu livro
a universidade o nomeia douto honoris
a televisão documenta
virá selo postal
todos choram
todos lamentam
quase todos lêem seus versos nos jornais
anais sucursais comensais

todas as suas dividas foram pagas
outras perdoadas
seu enterro financiado
sua família indenizada ajudada
auxiliada homenageada
pela rica organização cultural
citado lamentado lembrado
na câmera municipal
na universidade federal
na entrada da cidade
nas escolas secundárias

A poesia que fez pra sua amada
caiu no vestibular
foi impressa em placa de bronze
pregada na sala da associação
comercial
seu busto esculpido
exposto na praça territorial
ganhou prêmios medalhas diplomas
fama reconhecimento
seus livros venderam muitos
um virou Best Sellers
outro ganhou o premio jabuti
foi citado em parati
traduzido até para o húngaro
e hindi

mas pouco antes de morrer
solitário  triste sem espolio
o poeta escrevia com seu sangue
e coração em plena solidão
pouco dinheiro migalhas de pão
versos de pura alma ontológica
poemas de um amor que nada restou
apenas uma vivencia nua crua dura
sem tantas esperanças
apenas um pulsar que ainda era vida
que ainda olhava as flores
umbrelas e margaridas
escutava e lembrava-se dos cantos
dos pássaros e dos poetas monstruosos
que levantavam seus olhos
para o infinito eterno cheio de galáxias
que o levavam na palma da mão
seu corpo esquálido
o rosto pálido de tanto comer estrelas
e vomitar poemas

Agora o poeta dorme
mas esta gente
não o deixa sonhar
estão querendo lembrar recordar acordar
o poeta abandonado esquecido
que quase nunca foi lido
estão querendo ressuscitar
o poeta adormecido
estão querendo lavar
a alma do poema
seus próprios corpos apodrecidos
as magoas de não terem reconhecido
o verso ainda quando era vivo
e habitava entre eles.







Como a vida é misteriosa
                                e poética
nas manhãs o sol estende seus raios
onde as andorinhas penduram seu verão
os bem-te-vis cantam suas canções

a menina estende suas roupas coloridas
                                              no varal
o poeta seus poemas de cordel

A noite o céu estende suas estrelas e o
                                                    luar
a vida parece ser um cordão estendido
que não pode se quebrar
assim
onde vamos pendurar as coisa
onde as coisas vão secar
enigmático é ter que atravessar
e se equilibrar nesse cordão estendido
                                                 no abismo
sem cair
sem olhar para trás.











Sempre quis saber
onde aquele violeiro arranjava
tantos acordes tocados
tantas estórias contadas
tantos casos cantados
fazia tudo em versos
ainda por cima rimados.












As manhãs ainda nevoadas de garoas
 fumaça da locomotiva que foi pra Jaci
andava pelas ruas dos meus sonhos:
ramal são domingos e rua do coqueiro
ia pro cai n’ água ainda garoa
olhar os batelões canoas
desembarcarem sonhos
cachos coloridos de pupunhas
esperanças lembrança nos olhos
olhar as gaivotas voarem
e os botos rosas boiarem
comer tucumã
fruta-pão pupunha beiju
comer doce de cupuaçu
com café amargo
como a vida era doce!







As manhãs de sol e bem-te-vis
passava o menino tocando triângulo
vendendo cascalhos
e a Maria Fumaça
que ia pra Guajará-Mirim
passava e
levava um pouco do meu olhar
e um pedaço da minha alma
a outra parte
ficava debruçada na janela
vendo ela desaparecer em canções
                                               e fumaças
na infinita curva do triângulo.











A cidade silenciosa dorme
deitada em brancos travesseiros
enrolada em suaves lençóis de cetim
dorme a cidade
a ponte que cruza pro outro lado
o viaduto que passa por cima
o rio que agora é esgoto
estão também dormindo
o mendigo na calçada
a lata de lixo revirada
a menina abandonada
todos estão dormindo nesta cidade
                                             silenciosa
apenas o luar e a poeta estão acordadas
olhando a solidão do mundo
vigiado os sonhos e os pesadelos
que continuam acordados
apenas um gato pardo e solitário
olha dum telhado assombrado
o vento cantando e assoprando
uma estranha e misteriosa canção
varrendo os papéis e sacos plásticos
                                                ocidentais
as latas de sopas campell’s e coca&cola
jogadas pelo chão.
Os beijos apaixonados
aquele luar e aquelas ondas do mar
morreram nas areias de um passado
                                                 distante
hoje restou apenas
fragmentos de poesias rasgadas
lapsos de lembranças machucadas
um álbum com algumas fotografias
quase apagadas
e aquele soneto irregular
um pequeno estojo emendado
com as alianças guardadas

realmente o sonho acabou
a vitrola com a agulha quebrada
não podem mais rodar o LP da
Maria Betanhia
não existe mais
a marca daquele chocolate
nem a polaróide
para fotografar nossos rostos
colados
aquela boate onde nos nós conhecemos
e dançamos
fechou
agora é uma tabacaria

E eu não sou mais poeta
nem estudante de filosofia
perdi o coração e a razão
sou servidor público.  



















Astrônomos pescam estrelas
estrelas distantes em galáxias
                                     contorcidas
retorcidas
                     distorcidas
antigas envelhecidas
outras cheirando a leite
viajam anos luz
para conhecê-las
acendê-las
as que se apagaram com o tempo
aprendem a conhecer seus segredos
mais íntimos e peculiar
começam a dialogar com elas
ai vão se tornado poetas

as vezes vão longe demais
onde há somente pura escuridão
onde moram as estrelas apagadas
iluminadas apenas com lanternas
matemáticas
astrolábicas equações

entram muitas vezes
em estranhos labirintos
acabam se queimando com cometas
colidem com meteoros
se confundem nas rotas das luas
luas de estranha fases
ainda sem explicação

viajam por buracos negros
escuros túneis
forças obscuras
que devoram galáxias
como um menino faminto
devora algodão adocicado
deixando o céu da boca caramelizado
melado de sonhos e
açúcar refinado

com seus olhos eletrônicos computadorizados
astrônomos desenham mapas astrais
descobrem galáxias e outras escuridões
cinturões de planetas fragmentados
traçam rotas siderais
percursos de cometas brilhantes
sistemas planetários
seus sóis suas luas
mares de meteoros
mas apenas
com um lápis Olavo Bilac
poetizou a via láctea num soneto
amando profundamente
aprendeu a conversar com suas estrelas
e elas diziam cada coisa pra ele
mas somente ele as entendiam
o que diziam o que sonhavam
e assim
ele colocou a via láctea num soneto
suas estrelas em lindas poesias
a noite com as janelas abertas
viajava pelos céus de anil
céus de mais estrelas
e uma é a minha poesia favorita.





  
O grito do Munch é também
o meu grito atravessando a ponte
sobre o rio madeira
ponte que nem começou a ser construída
é meu grito...
atravessando esta nova modernidade
esta cidade repleta de repressão
depressão opressão omissão
pestes esmolas procissão
arrotos de cocas-colas injustiças
esgotos de ácidos xaropes lixos
mofos sopas latas baratas
buracos ditaduras caretices
é o meu grito
pela mulher amada sonhada
decantada em versos e absintos
que nem existe
o grito de munch
é o temor e tremor
atravessando a vida
passeando na fantasmagórica ferrovia
extinta da madeira-mamoré
passando pela corda estendida
de zaratustra
nauseado olhar das alturas
grito primal mal estar existencial
vomito enjoo nojo entojo
necessidades impostas impostos deposto
mais valia todo santo dia
sacro santas noites laser iluminadas
corte morte transporte passaporte recorte
lucro soluço enlatado marcado pesado
privado reprimido contido aprisionado
na era deste puro capital
é o grito do Munch.






















Num barzinho na beira rio
Li uma crônica do Basinho
Não consegui terminar
Meu guaraná tuchau
Parecia tão real
Aquele fato narrado
Que me afoguei nas águas barrentas
Do madeira
Deixei o crepúsculo caleidoscópico
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Atravessei pro outro lado
Abri o zíper dos céus de roxos profundos
E fui passear em outros mundos
Para aliviar aquele causo contado.









Amanhece o dia
lata de lixo ocidental
repleta de poemas concretos
marginais decassílabos despedaçados
mal contados
amassados
numa royal datilografados
copos descartáveis amassados de angústias e
cafés amargurados
latas devoradas de coca&cola
olhos encantados avermelhados
dilatados
celofanes amassados de chocolates
gitanes apagados de insônias
e papelotes de depressão
meu violoncelo e meu camaleão
mortos de sono
meu violão desafinado
minha coruja com olhos esgazeados
piscando enigmas reflexões
sobre o leite e conhaque derramados
e os poemas quase acabados
mas os poemas nunca terminam
vão sendo tecidos todos os dias
todas as madrugadas
em algum lugar
em lugar nenhum
vão sendo riscados garatujados
gravados pichados sombreados
ou - apenas pensados. PENSE.








                       
                                   







                   








ENFIM FIM SEM FIM...