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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Devir de uma lepidóptera




Na solidão de uma longínqua
Lavoura
Latifúndio demarcado por arames
Farpados
Que quase tocam no céu azul

Uma lagarta devora voraz
As folhas de uma plantação
Grávida de espigas douradas
Que as retinas não conseguem
Vislumbrar o fim

E vai desenhando no esqueleto
Desnudo das folhas
Sem clorofilas
Sem almas
Sem vísceras
O plano de voo
Da borboleta azul


                Luiz Alfredo – poeta


sábado, 25 de janeiro de 2014

Cio de Beija-Flores







                                        Depois que entendi
                                Aquela revoada
                                De colibris
                                Era uma flor no cio


                                                  Luiz Alfredo – poeta

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Confidência de um portovelhense




         A Carlos Drummond de Andrade




Por algum tempo vivi em Porto Velho.
Não nasci em Porto Velho.
Talvez por isso tornei-me abúlico,
macambúzio e estranho: de estanho.
Quase todo meu ser de cassiterita.
Esse fascínio por estrelas cadentes, fogos-fátuos
pirilampos incandescentes.
Que fazem da minha vida uma rocha dura.
Marcada de cicatrizes e queimaduras ardentes.
Sem poesia e sentimentos.
E essa refração que na vida é pura amargura
desesperança e solidão

o sonho de apaixonar-se, que me atormenta a vida
vem de Porto Velho, de seus blues azuis, sem amantes e sem oceanos esverdeados.

E a sina dessa angústia existencial, que transformo em canções,
é calorosa lembrança de portovelhense.

De Porto Velho trouxe os sonetos de Vespasiano Ramos e
Marcelino Bolívar que te oferto.
Esse ouro do Madeira e diamantes sujos da foz do Jaci - Paraná.
Esperança mil da terra anil brasilis.
Esse quadro do arraial de São João da Rita Queiroz.
Esta pele de gato maracajá no chão da sala de jantar.
Esta vaidade, esta cabeça pensativa.

Tive jóia, tive rebanhos, possui terras.
Hoje sou servidor público federal da união
E Porto Velho é uma fotografia
envelhecida de uma antiga Polaroid
ultrapassada no porão.
Mas que saudade!

                            

                       Luiz Alfredo – poeta.








quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Álbum Invernoso





Minhas lágrimas
São as lembranças dos invernos
Gélidos
Escuros
Sombrios
São as chuvas que molharam
Os zincos dos meus telhados
As pétalas das minhas rosas
O umbral do meu guarda-chuva
Meu coração amargurado

São as gotas tristes
Que guardei
Dentro da minha retina
Agnóstica


Agora escorrem
Pelos cantos dos meus olhos
Molhando minhas pálpebras
E pestanas
Algumas eu recolho
No meu lenço esgarçado
Encarnado
Desgastado
E eu as guardo
No meu bolso

Outras se perdem
Com meu barquinho de papel
Nos esgotos ocidentais
Assais
E não voltam nunca mais


                     Luiz Alfredo - poeta


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Um soneto interminável


Um cigarro fumegando
No cinzeiro
Uma xícara de café fumegando
No pires
Um tablete de chocolate
Mordicado
Uma lapiseira sonolenta
Num tinteiro
Um vinil na vitrola
Rola um fado
Insano lusitano profano
E um soneto que espia
Na máquina negra
De datilografia
Sua última estrofe
Soluça
Esfria
Balbucia
Pelo último verso
Do último terceto incompleto
Que o coração do poeta
Não terminou
Porque a aurora adentrou
Pelos poros da cortina
Abafando a tênue chama
Da lamparina quase sem querosene
E as pálpebras do poeta sonolento
Entre os sonhos
E as vertigens...



                 Luiz Alfredo- poeta

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Arrogância da Alma


Vi meu corpo bordado
Num espelho
Delineado pelo tempo
Rasgado pelas folhas
Do calendário

As marcas das quedas
Cirurgias
Cicatrizes da longa vida
Feridas que nunca sararam
Rugas que não suportaram
O tempo

Retinas cansadas
Que refletiam a imagem
Um pouco turvada
Lábios secos que aprendeu
A engolir as injustiças
Da vida

E agora sabe conjugar
A pretérita existência
Sem errar as terminações
Cantar algumas canções
E recitar alguns versos
A balbuciar orações

Porque agora é hora
De se olhar no espelho
E reconhecer o quê o tempo
Escreveu na pele
E na nervura

A alma é incólume ao espelho
E ao tempo
Tem uma arrogância intolerável
De se pensar eterna
E com isto escapa da sua ótica
E acha até que o espelho
É uma ilusão.


                            Luiz Alfredo - poeta