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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Conhaque Ressentido


Sem você a lua não mudará
Seu ciclo
Suas marés
Suas fases
Sua face obscura

Sem você o sol não mudará
Seu périplo
Nem deixará extinguir
Seus vulcões
Nem de cuidar do jardim
Dos seus planetas
E luas
Nem dos séqüitos girassóis

Mas eu mudei meus caminhos
Meu destino
A estrofe dos meus poemas
Aprendi a acender as cigarras nas tardes
Quentes
E a misturar minhas lágrimas
Ao conhaque
Riscar guardanapos com minha pena

A desabotoar a camisa
A afrouxar a gravata
E a balbuciar alguns acordes
No realejo
E aquele poema da poeta
Lá das bandas do Tejo
Não sai do meu coração
E dos meus trêmulos lábios

Sem você aprendi a ser
Mais atormentado
A ser um bardo de poemas
Mórbidos
E a não deixar a madrugada

Pegar no sono...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Parábola do Pão




Pão concepção do grão
Triturado
Fermentado
Assado
Nevoa das chaminés
Debulhado nas madrugadas

Partido ao meio
Na aurora
Passado manteiga
Ou geléia de amora
Nas suas vísceras
E com café ou chá
Devorado

Pão dialético da semente
História da flor
Parábola do sol
E do céu
Versículo do amor
Corpo de Deus

Metáfora do esforço
Campos dourados
Veste que nenhum rei
Vestiu
Lavoura que toca na ponta
Da eternidade

Espigas que balouçam
Ao vento
Moídas pelos cata-ventos
Pelo pilão
Torna-se o pão nosso de cada
Dia
Nossa oração
Nosso espesso sangue
Os acordes da nossa canção
E nos aproxima dos céus
Versos no nosso coração

Amola nossa enxada
E nossa foice
Destila nosso suor
Dignifica
E significa trabalho
Conjugação perfeita do verbo
amar


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Brasil Recortado



Quando o Brasil for dividido
Eu fico no Ceará
O azul esverdeado do seu oceano
Abafa o vermelho da ditadura
A doçura dos lábios da Iracema
Adoça o amargo destes tempos
De um fascismo disfarçado

O poema do Patativa
E do poeta de Russas
Toca meu coração mais que os lábaros
Encarnados
Que mancham as avenidas que tem nomes
Dos poetas e revolucionários

Ficarei aqui escutando a sabiá
O sanhaçu
Comendo pequi
Lendo o romance de Ceci
Sonhando com dias de liberdade
Neste céu estrelado enluarado
De Canoa Quebrada
Não deixarei o Cariri
Terei saudades de Sampa

Mas ficarei por aqui

domingo, 26 de outubro de 2014

Panfletos ao Vento


Nessa época os cordéis são esquecidos
As ruas ficam cheias de panfletos
Nas aléias
Nos boulevards
Nos paralelepípedos
Nos esgotos entupidos
Aos ventos
Aos relentos
Nas maresias

Os cantadores vendem seus versos
Para as ideologias
Os menestréis cantam suas melodias
Doces harmonias
Para as eternas tiranias
Que prometem suas doces utopias
Um céu azulado
Repleta de balões coloridos
Uma tarde crepuscular avermelhada
Uma linda festa com tuba tubalina
E muita purpurina



terça-feira, 21 de outubro de 2014

Minutos Triturados


Leva-me o tempo
Nos teus calendários dos dias balbuciados
Labutados
E perdidos nas tardes quentes
Cada dia riscado
A noite sonolenta de pálpebras
Insones
Ainda o cuco vem avisar
Que o ocaso foi embora
E a aurora de um novo tempo
Vai chegar

Leva-me oh tempo
No teu relógio que soluça
Cada segundo
Teus minutos que vão dilacerando
Minha pele
Mudando os desígnios do meu coração

Como eram belos os tempos
De outrora
Tinha o sino da igrejinha
As andorinhas de verão
Meu coração apaixonado
O canto da sabiá
Os barrancos inconsistentes
E o grande Deus onisciente
Transcendente
As papoulas vermelhas
E o belo luar
E o tempo demorava passar

Hoje o amor é apenas um conceito
Nos versos de um poema em cima
Da cômoda
O relógio desgastando a tessitura
Da carne
E a vida passa nas hélices
Do liquidificador
E o luar um poema tecnológico
Teleguiado pelo computador





quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Tecelão de Estrelas


Uma ave faz um ninho
Tecendo com seu bico afiado
Amolado nas canções
Seu ninho de galhos retorcidos

Entrelaça cada um
Sem parafusos em pleno luso
Verão
O martelo e o prego
É uma arte conceito
Uma reflexão filosófica
Atravesso o viaduto
Mesmo com minha ortodoxa
Ocidentalidade
Ainda caço borboletas
O gás carbônico ainda toca
Nas minhas sobrancelhas assustadas
E nunca deixei de cantar siriá
nem de riscar o sol

Vou descobrindo onde os pássaros
Fazem seus ninhos
Com minha sombrinha vou brincando
De chuva
Um pardal fez seu ninho nas luzes
Do semáforo
A rolinha fez seu ninho no hibisco
De rubra rouca lokas papoilas doidivanas
Que levam o dia se embalouçando
Aos ventos
Comendo flocos da luz solar

Lembra mano
Quando conjugávamos o verbo amar
Nossa aldeia parecia linda
Mas eram encantadoras suas noites de luar
Suas fogueiras de São João
Elas me levaram ao evangelho de João
Uma cuia de tacacá
Uma de patuá
Um cálice de aluar
E as proibida flores que brotavam livres
Foram incriminadas
Eu vi a guerra do Vietnã na revista
rasgada


As estrelas nos diziam tudo
Eram as nossas guias
Nos rios
Igarapés
Igapós
Do outro lado da ponte
O poente encantador
Tinha o verão das andorinhas
Tempo das lendas
Tempo dos curumins procurarem
As cuiatãs
Seus seios de pele de avelãs
Dos botos namorarem as meninas
Tempos das jujubas coloridas
Bombons de hortelã
Tempo em que aquela bateria
Passava o tempo bumbando
Meu coração
Acedendo minhas pupilas


Em Cala ma não tinha automóveis
Nem muitas carroças
Mas lá eu vi a pá e a enxada
Dependurada
Descansando
E amolando sua laminas
Na luz do luar
Nem sequer belas carruagens
Mas tinha as ruas floridas
Aprendi a amar uma rua
Que depois foi as minhas lembranças
De morangos
Que nos leva as pontes
Onde do outro lado mora sua paixão
Embaixo o igarapé murmura
Sua canção
Por não ter moinhos
As águas nunca voltaram
Mas quem sabe alguma tempestade
A traga de volta

Do outro lado é que guardo
Meus anzóis meus poéticos
Caniços
Que pescaram muito mais luar
Que peixes
Minha lanterna minha lamparina
Onde agora dorme meu violão
Minha Royal onde nas suas fitas
Negras moram a memória dos meus
Poemas

Sempre tive minhas ruas de morangos
Meus campos de framboesas
Sempre Deus me deixou seguir o meu caminho
Por que ele sabe que eu nunca vou tirá-lo
Do meu pensamento
Aprendi viver com meu cotidiano
A geometria de Descarte
A geometria de Spinoza
A geometria de Hegel
A vida é uma sinfonia
Nós é que não a tocamos direito
Nem conhecemos a diáspora das borboletas
Nem agradecemos pelo doce mel
E o fermento dos pães
Nem agradecemos o maná que cai do céu
Num deserto deslumbrante
O sonho era beber o leite da terra prometida
Comer as tâmaras adocicadas cálido sol
Tomar a água que brota da pedra
Dedilhar uma cítara

O poeta é apenas um cultivador
De estrelas
É um namorado que recita verso
Para seus corações
E elas acreditando nestas loucas paixões
Vem plantar hortaliças no teu jardim

O amor sempre vai bem
Numa xícara de jasmim
E as tardes em Calamas
Entre manguitas dolcitas
E cantos de japim




terça-feira, 14 de outubro de 2014

Cigarras Ciciam o Verão


ouvi a cigarra afinar
os seus acordes 
tecer suas sinfonias
e balbuciar sua canção
naquela tarde azul de verão
as andorinhas riscam no céus
nos pedaços de nuvens brancas
suas partituras
na maior altura
asas de eternos bemóis
o sol rega com seus raios
cálidos amarelados
seu reinado de planetas
e luas
religião para os girassóis
para os lentos elípticos
caracóis
e vós o que sois 
neste mundo de muitas estrelas
galáxias distantes
mundo de muitos sóis 
o que é o teu instante
mas o que importa é abrir
a janela
regar as margaridas
cultivar as violetas
e dialogar com a rosa
sobre o mistério do amor
é debulhar os acordes
do violão
modelar os versos
e compor um refrão
tarde sonolenta

em que morre o cigarro
queimando entre os dedos
morre a cigarra cantando
enquanto a formiga cultiva
o seu canteiro
e os cogumelos brotam
nos mugidos das vacas

sexta-feira, 3 de outubro de 2014



                          Ao poeta Mário Gomes




Vaga
       vago
              andarilho
O poeta
              maltrapilho
Caminha
              divaga
Traga as gotículas de luz
Do sol
Os raios translúcidos
Do luar
Escreve sua saga
Nas ruas de Fortaleza

A vida que passa
Na praça
Nas vitrines
Nas vidraças

Escreve seus poemas
Com o cristalino do olhar
Com a grafite do seu coração
Com a canção dos pássaros
Com pedaços da chuva
Com as flores do flamboyant
Pelos boulevard de antigas
Jabuticabas
E framboesas

Tempo em que meninas
Passeavam com suas sombrinhas
De joaninhas
E meninos passeavam de velocípedes
E os poetas tinham um cravo branco
Na lapela do fato

Agora é o tempo de versos sombrios
E o poeta de fato
Esta numa mesa tecendo um verso
Que verso! Fotografado...