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sábado, 20 de setembro de 2014

Exaustas Pálpebras


A noite desenrola um poema
Do Zola
Nas pálpebras cansadas
Dos meus olhos

Lá fora o luar devora
Versos sonolentos de outrora
Do tempo em que os cata-ventos
Dialogavam com as lavouras
E os vaga-lumes eram estrelas
E as constelações eram galáxias

Tempo em que os grãos declamavam
Parábolas
Metonímias dos centeios
Moinhos celeiros
O permeio do fermento
O sentimento dos esteios
Que delimitam as plantações
E os pássaros vestiam os mantos
Dos céus
E nele escreviam suas partituras

Tempo em que as andorinhas desenhavam
O verão
Para nele a cigarra cantar sua canção
A chuva molhava as sementes
O trovão acordava os grãos
Que engravidaram
E germinavam num lindo botão
Numa bela rosa

E a vida vai embora
Cruza a ponte
Não espera o tempo
Vai tornado tudo passado
Uma saudade incontornável
Um pretérito que podemos conjugar
Mas nunca mais vivê-lo




sábado, 13 de setembro de 2014

No Tempo dos Japins




Em Calama os sonhos se confundiam
Com a realidade
Pensava que os pássaros nasciam
Das árvores
Que o ninho do japim era um fruto
Que de dentro dele saiam
Aqueles pássaros amarelos e negros
Com aquele canto sustenido
E asas de eternidade

Pensava que o sol no crepúsculo
Mergulhava no rio Madeira
Profundamente
Prendia a respiração
E com suas guelras de fogo
Emergia no amanhecer do outro
Lado
Trazendo os pássaros de um reino
Encantado
Acordando os girassóis
E as espigas dos milhos dourados

Pensava que as estrelas
Eram vaga-lumes
Mas uns dias viraram galáxias
E que meu barquinho de papel
Levaria-me pra longe
E que ela seria meu grande
Amor
Que hoje desbota numa fotografia
Em preto e branco

Ainda não tinha tomado
Minha primeira coca&cola
Nem voado nas asas da Panair
Escutado uma ópera
Nem lido um verso do Bandeira

Pensava que as juras de amor
Feitas nas labaredas da fogueira
Tremeluzentes
Eram para sempre
Não havia lido à metafísica
De Aristóteles
Nem Teeteto
E que os caminhos do ocidente
Apagariam minha vila
Do mapa






quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Melro



Eu era as tecla daquele piano
Molhado de luar
O gole de conhaque requentado
Pelas estrelas
A voz rasgando o jazz de pura
Paixão
Trazia o canto do sabiá
Na lapela
As pétalas na cigarreira
Na algibeira
O melro que cantou no alpendre
Da tua casa
Depois foi embora e nunca mais
Voltou
Eu era as cordas do violoncelo
Balbuciada pelo crepúsculo
O osculo do colibri na roxa
Papoula
Que balouça nos cabelos
Do vento e das tempestades
Eu era o espantalho cultivando
O milharal
E aprendendo a gramática
Dos corvos
E fui com os instantes vividos
E as migalhas das metafísicas
Tornando-me amante da solidão
E polindo o nervo do meu olhar
Para contemplar melhor
A eternidade